Racismo ambiental, sustentabilidade nos negócios e sua relação com as estratégias em DE&I

Racismo ambiental, sustentabilidade nos negócios e sua relação com as estratégias em DE&I

Por Ana Bavon e Aline Miranda

A sociedade brasileira está imersa em uma teia de complexidades, essas complexidades possuem bases em seu histórico colonizador que acometeu todas as relações que se desenvolveram a partir disso em um emaranhado de impactos que moldaram as situações que percebemos e vivenciamos hoje.

Não é de hoje que temos acompanhando notícias sobre a prevalência de pessoas sendo submetidas a situações análogas a escravidão, desastres ambientais, violências de todos grau. Quando pensamos na interligação entre essas ocorrências é perceptível que ambos os casos estão inseridos em um território que carrega um histórico.

Racismo ambiental e suas complexidades na sociedade brasileira

Tendo isso em vista, o racismo ambiental, entendido como uma forma de injustiça ambiental que define quem pode estar sujeito às condições insalubres de sobrevivência em prol de benefícios daqueles mais abastados do ponto de vista econômico social. Essa condição, ou melhor, esse lugar social  define quem são as pessoas privilegiadas e desprivilegiadas em termos de qualidade de vida, e condições dignas de sobrevivência. Essa definição passa pelo crivo das relações étnicos raciais que foram estabelecidas lá atrás, e que até hoje permanecem em nosso imaginário social.

A pesquisadora de ecologias decoloniais e racismo ambiental, Ana Saches, descreve como racismo ambiental, a forma de desvalorização da vida, das vivências e dos conhecimentos de pessoas que são lidas racialmente pela sociedade, como quilombolas, pessoas indígenas, ribeirinhas e caiçaras. Na ótica social, a vida desses grupos, suas culturas, territórios e modos de saber não são importantes e por isso, podem ser explorados e excluídos.

Sob essa ótica podemos entender que, pessoas negras são as que estão na “margem” ou submetidas às piores condições de sobrevivência, em termos de condições ambientais, territórios, condições de trabalho, etc. Enquanto isso, pessoas brancas ou não racializadas – estão operando na lógica inversa, ou seja, ocupando lugares sociais privilegiados em relação aos grupos racializados.

A partir disso podemos tangibilizar essas afirmações a partir de alguns dados importantes:

  • Dados do Mapa de Conflitos do Instituto Pólis, revelam que pessoas negras e de baixa renda, incluindo as pessoas indígenas são as mais afetadas pelos desastres ambientais;
  • Quando se analisam os locais com maiores índices de atividades predadoras do meio ambiente, as regiões periféricas do Brasil são as que detém maior número desse tipo de atividade;
  • No estudo: Racismo ambiental e injustiça social nas cidades, dados revelam que as pessoas negras e de baixa renda são as mais impactadas nas situações de risco, como enchentes (risco hidrológico) ou a deslizamentos (risco geológico) nas cidades (São Paulo, Belém e Recife).
  • Desde o início do ano, foram resgatadas 2.575 pessoas em situação de trabalho análogas a escravidão, de acordo com dados do Ministério do Trabalho. Desse número, a maioria eram homens (51%), (80%) se declarava como pretos ou pardos e (58%) eram naturais do Nordeste.
  • Em 2021, o número de invasões e exploração de territórios indígenas triplicou, com os casos de aumento de garimpo ilegal que trouxe à tona a ineficiência estatal de conter esse tipo de prática.
  • Em 2023 os povos originários da etnia Yanomani foram vítimas de uma violência genocida que resultou na morte de 570 crianças por conta da desnutrição e doenças advindas da exploração irregular do território por parte dos garimpeiros.

E o que a sustentabilidade tem a ver com isso?

Olhar para esses dados e para o passado nos permite entender a lógica da destruição e da condenação de povos originários, população de baixa renda, quilombolas e pessoas negras, A construção da sociedade tal qual ela se apresenta, passa pela destruição consciente desses modos de vida, o racismo sistêmico e estrutural da suporte e sustento a um ideal econômico que ainda privilegia classes, grandes corporações e grupos sociais especificamente não racializados.

A globalização foi o grande fenômeno que acelerou a expansão econômica, cultural e tecnológica, no entanto, muitos mercados ilegais passaram a sustentar o consumo por meio de mercados obscuros e que não por acaso alimentam grandes corporações. Um exemplo dessas arbitrariedades foram os recentes episódios relacionados ao flagrante de trabalho escravo ocorrido no Sul do País.

Com a urgência de se pensar maneiras de mitigar os efeitos perversos da globalização nos territórios e nas relações sociais, a sustentabilidade surge como possibilidade de minimizar os efeitos e os impactos gerados no presente. Incluindo de forma imperativa os diferentes stakeholders na busca por justiça social.

Pensar DE&I alinhado a responsabilidade organizacional e promoção da justiça social

Entender os impactos gerados pelas organizações nos territórios é tarefa primordial quando pensamos em ações estratégicas em DE&I. É impossível pensar em ações de real impacto ambiental, quando não se conhece o território, as pessoas que ali vivem, suas necessidades e anseios. Conforme pontuado em outros artigos, empresas globais com operação em países colonizados, como no caso do Brasil, devem se atentar para o contexto de desigualdade em que se encontram, entender a legislação local que permeia as políticas de discriminação positiva, e então tropicalizar suas estratégias para que de fato tenham eficácia e eficiência nesses contextos.

É precisamente na construção de soluções que sejam boas para as pessoas e boas para o planeta que a responsabilidade social organizacional está inserida. As organizações precisam entender seus impactos na sociedade tendo em vista o território que ocupam e em quem mais ocupa esse território, visando não apenas mitigar seus impactos sobre esse local, mas promovendo maior qualidade de vida e equidade. Com a globalização, as pessoas e os consumidores se tornaram mais exigentes no que se refere a seus hábitos de consumo, sua força de trabalho, seus investimentos, entre outros, e é por isso que deve existir uma ética organizacional capaz de dar conta da transparência exigida pelas pessoas que são diretamente influenciadas por um ideal de justiça social e propósito.

Novas gerações e a demanda para a sustentabilidade no consumo

De acordo com uma pesquisa da MKinsey, os consumidores da geração Z (millenials) que compreende pessoas nascidas entre 1995 a 2010 buscam cada vez mais maneiras sustentáveis de consumo, esperando das companhias mais transparência, engajamento e compromisso com a diversidade. A pesquisa também revelou que esse público evitaria comprar de marcas que fossem racistas ou homofóbicas.

Há de se destacar que a geração Z no Brasil são maioria, representando cerca de 30% da população, em 2031 a renda dessa geração a nível mundial deve chegar a 33 trilhões de dólares, ou seja, é uma geração que precisa estar no radar das corporações, haja vista seu impacto no consumo global e local.

Ações que podem inspirar o início

O advento do ESG (Environmental, Social and Governance) traduzido para o português como (Ambiental, Social e Governança), diz respeito às metas de investimentos organizacionais estratégicos relacionados aos impactos ambientais e sociais de uma organização. Nesse sentido, grandes corporações precisam alinhar a sua governança com ações práticas que sejam capazes de demonstrar seu compromisso ético com a sociedade onde se insere.

Em termos de mercado, o ESG representa uma oportunidade dos stalkeholders terem melhores métricas para realizar investimentos que resultem em menores riscos reputacionais. Isso porque quando uma organização causa impactos socioambientais que são danosos a uma comunidade ou à população como um todo, factualmente, resulta em riscos reputacionais gigantes, tais como termos de ajustamento de conduto – na perspectiva jurídica, a perda da confiança dos consumidores, das pessoas colaboradoras e dos investidores. Portanto, esses riscos podem trazer impactos negativos no resultado financeiro e na cadeia de valor.

Investir em ESG e em ações conexas em DE&I não apenas apresenta impacto em lucratividade, como também mitiga os riscos que podem gerar perdas financeiras.

No contexto atual, o mercado e as pessoas estão de olho nas organizações que conseguem alinhar os pilares de ESG com ações que verdadeiramente sejam perenes e tragam impacto positivo no ambiente onde se inserem. Observamos nos anos 2021, 2022 um grande apelo das bolsas de valores do mundo, como B3  Nasdaq para que empresas listadas fizessem a implementação de métricas focadas em ESG, principalmente no pilar S “Social”.

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) criados pela ONU em 2015 são um importante exemplo de alternativas que podem ser implementadas pelas organizações na busca por um crescimento sustentável. Os 17 ODS estão alinhados a metas e ações que podem ser colocados em práticas e alinhados ao ESG. No Brasil o Pacto Global como iniciativa da ONU, também ajuda as organizações na adoção de princípios e ações que construam estratégias na busca por um desenvolvimento sustentável.

Por aqui, o que estamos fazendo….

Enquanto consultoria especializada em criações estratégicas e inovadoras em Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I), buscamos sempre conectar nosso trabalho a Agenda 2030, às metas presentes nas ODS e construindo matrizes de materialidade de ações que sejam norteadas pelos princípios ESG. Um grande exemplo que podemos citar sobre a união da tropicalização das ações diante do ambiente onde se insere, é a adoção das políticas de ações afirmativas direcionadas à população negra.

Uma das nossas maiores oportunidades foi a customização e construção do Programa Liderança Negra – Trainees da Bayer. Em 2020 tivemos 19 pessoas integradas e contratadas, já em 2022 saltamos para 33 posições e o programa segue seu curso cada vez mais robusto e transversal. O objetivo principal do programa é tornar mais equânime as oportunidades para jovens negros, oferecendo suporte para seu desenvolvimento pessoal e profissional para que possam ocupar posições de liderança na organização, o que agrega valor a carreira e ao compromisso da corporação na promoção da equidade racial por meio das oportunidades no mercado de trabalho.

Se olharmos para trás, como começamos no início desse artigo, percebemos que até hoje colhemos os impactos negativos de anos e anos de exploração ambiental e de seres humanos. A grande questão que se coloca é justamente o que pode ser feito para que as gerações futuras não tenham que também colher mais impactos negativos, por isso, pensar ações sustentáveis no presente é garantir que no futuro possamos ver os resultados do que estamos fazendo no agora. Para que isso aconteça é preciso intencionalidade e responsabilidade social das pessoas que compõem as cadeiras estratégicas das organizações em contribuir para que as ações construídas tenham sustentabilidade ao longo do tempo e transformem verdadeiramente de forma positiva o ambiente e a sociedade em que se inserem. Vamos juntos nessa construção de futuros mais justos e equânimes? Estamos aqui para construir juntos culturas que inovam, agregam e transformam!

Referências:

https://www.ihu.unisinos.br/categorias/620975-racismo-ambiental-populacao-de-baixa-renda-e-mais-afetada-por-desastres-ambientais

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2023/03/02/casos-notorios-de-trabalho-analogo-a-escravidao-no-brasil.htm

https://negociossc.com.br/blog/o-que-os-consumidores-da-geracao-z-querem-das-marcas/

https://www.mckinsey.com/industries/consumer-packaged-goods/our-insights/true-gen-generation-z-and-its-implications-for-companies/pt-BR

https://www.linkedin.com/posts/anabavon_b3-ter%C3%A1-regra-de-diversidade-para-as-empresas-activity-6965755563515219968-onJn/?originalSubdomain=cm https://polis.org.br/estudos/racismo-ambiental/

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